Contratos de trabalho e a LGPD: quais os impactos?

 

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei nº 13.709/2018) entrou em vigor em setembro de 2020. Embora não trate especificamente da Lei Trabalhista, é possível conhecer os impactos da LGPD nos contratos de trabalho. Neste artigo, vamos mostrar algumas das situações que exigem atenção dos empregadores antes, durante e depois do estabelecimento de vínculo empregatício.

A LGPD é uma legislação moderna, inspirada na Lei de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR). Ela segue uma tendência internacional de se buscar juridicamente uma proteção a informações privadas dos cidadãos.

Embora a LGPD tenha surgido em um contexto de alta capacidade de processamento de dados, ela se aplica a qualquer suporte onde as informações estejam inseridas. Essa é uma das premissas que explica como a legislação, que já está em vigor, tem impactos nos contratos de trabalho.

Algumas premissas da LGPD

A LGPD busca resguardar liberdades e direitos fundamentai e trazer segurança jurídica aos atores envolvidos em coleta, armazenamento e uso de dados (digitais ou não). Para isso, estabelece regras de proteção de dados e critérios no tratamento desses dados pessoais.

A LGPD tem como fundamentos, listados no artigo 2º da sua redação:

  1. O respeito à privacidade;
  2. A autodeterminação informativa; (que nada mais é do que a ideia de que o indivíduo titular de dados pessoais deve ter controle, ou ao menos plena transparência, sobre a destinação dada às suas informações pessoais, bem como das metodologias utilizadas para tanto.)
  3. A liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;
  4. A inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;
  5. O desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;
  6. A livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor;
  7. Os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

Com isso, conhecemos os atores envolvidos no tratamento de dados. O primeiro deles é o titular, que é o indivíduo detentor das informações privadas. Pela lei, ele deve ter assegurado o controle dos seus dados pessoais, o conhecimento da finalidade e das metodologias de uso, o poder de autorizar e o direito de retirar os dados da posse de terceiros.

Em seguida temos o controlador: “toda pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais”. E o operador: “toda pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais”.

LGPD e as relações trabalhistas

A LGPD não é específica quanto ao seu cabimento nas relações de trabalho. No entanto, o próprio art. 1º da LGPD deixa claro que ela busca proteger os dados pessoais de pessoas naturais que sejam tratados por pessoas físicas ou jurídica de direito público ou privado. Assim, sua aplicabilidade é irrestrita, não importando o âmbito da Justiça ou setor econômico.

Voltando às premissas, conhecemos três dos atores envolvidos no tratamento de dados. Podemos definir seus papéis nas relações trabalhista como:

  • Titular: o candidato, empregado ou prestador de serviços que fornece suas informações ao empregador;
  • Operador/controlador: o empregador, que precisa utilizar os dados do titular para diversas finalidades (recursos humanos, financeiro, Justiça Trabalhista etc.).

Assim, o tratamento de dados poderá se dar em todas as fases da contratação: antes, durante e depois do contrato de trabalho. Para todas as etapas, a regra é sempre a preservação das informações pessoais.

LGPD pré-contrato de trabalho

A fase pré-contratual é o primeiro contato com o empregador com o empregado, no caso um candidato à vaga de emprego. Nesta etapa já são colhidos dados pessoais como nome, endereço, idade, currículo. Aqui já cabe ao empregador informar e buscar o consentimento do candidato a respeito do uso e da destinação desses dados. Por exemplo: a empresa não pode armazenar ou disponibilizar para outras organizações dados e currículos sem a anuência do candidato.

 Nesta fase que a LGPD e a CLT também se sobrepõem quando falamos em inviolabilidade da intimidade. É vedada a coleta de dados que possam discriminar o candidato para a vaga, como solicitação de exames de sangue, gravidez, toxicológico, atestado de antecedentes criminais, análise de crédito (salvo exceções previstas na CLT).

 LGPD na fase contratual

É no contrato que o empregador informará o candidato a respeito da política de tratamento de dado da empresa, e a ele solicitará o consentimento expresso. Por isso, a redação dos contratos de trabalho não pode deixar de contemplar os casos específicos e nem suscitar dúvidas. Assim, é importante que a empresa faça um mapeamento completo do fluxo de dados.

A LGPD é uma legislação moderna, ao aplicar a LGPD nos contratos de trabalho, é possível sustentar que o tratamento dos dados pessoais do empregado serão admitidos segundo três hipóteses:

  1. Por cumprimento de obrigação legal: pela CLT, a empresa precisa manter uma ficha de registro com diversos dados pessoais dos empregados. Mas segundo o previsto no Artigo 7º, II da LGPD, essas informações poderão ser obtidas independentemente de consentimento prévio do trabalhador;
  2. Para a execução do contrato a pedido do empregado: segundo o Artigo 7º, V, a empresa poderá usar os dados do empregado quando for por ele autorizado para a execução dos contratos de trabalho;
  3. Por interesses legítimos do controlador: pelo Artigo 7º, I, o empregador poderá obter dados pessoais sem o consentimento quando houver um interesse legítimo no uso desses dados, desde que não haja violação de direitos e liberdades fundamentais do empregado que exijam a proteção dos dados. Entende-se que “interesses legítimos” no âmbito trabalhista podem ser, por exemplo, a exigência de comprovantes de diárias para viagem em hotéis, o compartilhamento de dados com seguradoras de saúde e o recebimento de atestados de exames médicos ocupacionais.

Além dessas hipóteses, a dupla de autores chama a atenção para o caso dos dados sensíveis, que segundo o Artigo 5º, II incluem: “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.”

“Diante da maior restrição ao uso desses dados sensíveis, a empresa somente poderá exigi-los do empregado quando houver expressa previsão em lei como é o caso da filiação sindical para desconto de contribuições sindicais, confederativa e assistencial ou quando houver expresso consentimento do trabalhador, permitindo o seu uso”, escrevem os juristas.

Fase pós-contrato de trabalho

O desligamento do empregado da empresa também implica em observar os preceitos da LGPD. Pela lei, o controlador deve informar ao titular sobre a finalização do uso de dados, seja por solicitação do titular ou por determinação legal.

Todavia, a própria CLT obriga as empresas a manterem um histórico de dados dos empregados, como holerites, informes de rendimentos e registros. Inclusive o descumprimento pode acarretar em penalidades fiscalizatórias. Para certos casos, o prazo obedece à prescrição trabalhista (5 anos); para outros, como o registro de empregados e o livro de Inspeção do Trabalho, o prazo é indetermina.

Assim, nessas situações, a própria LGPD, em seu Artigo 16º, I, autoriza a conservação, mesmo que haja pedido de eliminação pelo titular.

 

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